sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Nossa herança histórica e as imbecilidades do presente



Por Teca Simões, para o Blog

Uma lição a eleição presidencial de 2010 deixou. O veneno destilado por aqueles que viram seus interesses derrotados por serem contrários ao da maioria deve ter como antídoto o exercício da cidadania.

A caixa de pandora que foi aberta deixou sair o que temos de mais obscuro e aterrorizante: O medo do outro, o bárbaro, fazendo uma analogia com o mundo greco-romano da antiguidade que considerava bárbaros todos os estrangeiros que não falavam a sua língua e nem tinham seus costumes.

Hoje, esse mundo seria representado pelas classes sociais mais abastadas do Brasil, que, pensando como a nobreza, no Antigo Regime europeu, considera como premissa ter privilégios em detrimento dos outros, que seriam estrangeiros em sua própria terra. Os bárbaros são todos aqueles que não fazem parte do stablishment, um termo inglês bem caro a essas pessoas.

Pois é. O preconceito que pensávamos estar restrito às camadas mais desinformadas da população saltou aos olhos nesse período eleitoral.

Todavia, mesmo que muitos não queiram aceitar, a humanidade é uma só. Somos a única espécie humana a habitar o planeta. As diferenças de cor da pele e dos olhos, dos cabelos, do formato dos olhos e narizes não passam de adaptações a determinados meios físicos ao longo da história.

O ser humano, que quase com certeza surgiu na África, para sobreviver diante da forte insolação das savanas daquela região, teria que ter a pele preta, do contrário doenças relacionadas à forte exposição solar o levaria a morte. Seus cabelos eram crespos, de forma que retinham o suor permitindo refrescar o cérebro. Essas e outras características foram imprescindíveis à sobrevivência no alvorecer da humanidade.

Quando este ser migrou para o que é hoje a Ásia e a Europa, foi perdendo, ao longo do tempo, características que não eram mais necessárias e adquirindo outras que permitiriam sobreviver melhor ao meio. Como exemplo, na Europa fria e sem insolação forte, o pigmento que dá cor à pele vai diminuindo, em outras palavras descolorindo. Os pelos e cabelos crescem para proteção do frio e o nariz afina para que o ar chegue aos pulmões aquecidos, evitando o risco de pneumonia.

Não existe mistério. Decodificar o genoma humano permitiu saber que somos uma única humanidade e, se somos diferentes culturalmente em muitas coisas, somos iguais nos direitos e na dignidade. Isso faz cair por terra o termo raça, quando falamos de ser humano.

Os ecos que vem do sul e sudeste do Brasil, arrotando ódio aos nordestinos, vistos como sub-raça, e aos pobres como incapazes, são de uma sordidez e ignorância alarmantes. Ignorância porque a riqueza econômica de uma região está associada a determinados aspectos históricos. No caso do Brasil Colônia, o modo e o que seria produzido eram definidos por Portugal. Isso moldou a forma de organização da produção: grandes propriedades rurais monocultoras que utilizavam mão-de-obra escrava. Em parte esse modo de produção perdura até hoje.

O que é atualmente o nordeste brasileiro foi até o século XVIII a região mais próspera da colônia. Recife, capital de Pernambuco, era a cidade mais cosmopolita do Brasil, para onde iam muitos europeus. Importante destacar que foram judeus expulsos do Recife quem fundou a cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos.

Enquanto o nordeste era a área mais lucrativa para Portugal com a exportação do açúcar e de outros produtos primários, São Paulo não passava de uma vilazinha pobre, que vivia de aprisionar índios e negros fugitivos. Quando o açúcar entrou em decadência o eixo econômico da colônia se deslocou para o centro-sul, primeiro com a mineração e depois com o café.

Conhecer o passado é muito importante para entendermos o presente e também aprendermos com seus erros e acertos. É fundamental termos visão crítica para saber que o desprezo de alguns ao nordestino está ligado à sua situação social. Ele representa os pobres que, na concepção dessa gente, só deveria desempenhar o papel de serviçal.

O que defendem os “racistas”, sob a ótica da pré-história, é o mecanismo da seleção natural onde apenas os mais fortes sobrevivem, no caso atual os bem sucedidos financeiramente. Isto seria negar toda a essência de humanidade, que é o conviver, porque a humanização acontece na relação com o outro, para o bem e para o mal.

Felizmente, a consciência cidadã e a tecnologia permitiram que hoje, fracos e fortes tenham acesso à informação, à medicina, à alimentação e abrigo. Parafraseando os artistas da banda Titãs “a gente não que só comida, a gente quer diversão e arte”. Isso para a brutalidade racista é inaceitável.

Enquanto os mais “fracos” estão no patamar mais baixo da sociedade, sem educação e sendo-lhes negado a cidadania, tudo bem, a simples sobrevivência já basta. Mas, quando a “horda” reivindica direitos e consegue espaços, no que antes era privilégio de alguns, aí o bicho pega.

Não nos esqueçamos, pois, como disse Darci Ribeiro que “todos nós brasileiros, somos carne da carne dos pretos e índios supliciados”. Então, a nossa herança histórico-cultural é permeada de muita dor e crueldade que, entretanto, pode ser transformada, a partir de mudanças de atitudes, no respeito pelo outro e na busca da igualdade entre todos.

Teca Simões é professora de Geografia

2 comentários:

  1. Parabéns Teca pelo o brilhante artigo.

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  2. Teca,adorei o artigo!Impossível não gostar,porque tudo o que fazes na vida deixam marcas e exemplos.

    Sem piegas viu,adoro você!!!!

    Bjs em seu coração!!!

    Neidinha Conrado

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