sexta-feira, 10 de junho de 2011

A derrota de Marco Maciel e da direita no Brasil

Por Jorge Perez, no seu blog

No curto período em que ocupou as páginas dos jornais o assunto da nomeação e renúncia de Marco Maciel no cargo de Conselheiro de duas empresas públicas da Prefeitura de São Paulo, pouco se avaliou concretamente sobre o significado político desta questão e seu desfecho.

Na minha opinião, a polêmica renúncia do ex-senador é apenas a ponta do iceberg da crise da direita no Brasil e do avanço da consciência democrática do nosso povo. E isto é muito importante para o futuro desenvolvimento das forças políticas democráticas e suas disputas, dentro da coalizão governamental, para a conquista de espaços de governo e na sociedade.

A exposição política sofrida pelo ex-senador Marco Maciel aprofundou a crise do DEM. A grande imprensa logo percebeu isso e calou-se sobre a questão na tentativa de abafar o assunto. Não simplesmente o assunto da renúncia de Maciel mas do que ela representa.

Marco Maciel não é um político qualquer. Foi, e ainda é, um ícone da direita brasileira. Um elaborador político de mão cheia e um hábil articulador com sua discreta imagem de quem não entra em bola dividida e nem polemiza com ninguém publicamente. Vários segmentos e representantes da sociedade sempre manifestaram sobre a seriedade, honestidade, capacidade política e ética do ex-senador. Ocupou cargos chaves na República e teve muita influência não só sobre o DEM e seus antecessores como nos demais partidos de direita e centro-direita. Basta lembrar que na eleição passada, na qual não foi reeleito, ele teve o apoio de Cristovan Buarque, Oscar Niemayer e até de Eduardo Suplicy no guia eleitoral.

Quando Lula, na campanha de Dilma em Pernambuco, conclamava o povo a mandar Maciel para casa não era simplesmente ganhar mais uma vaga no senado em apoio a Dilma. Pelas palavras que Lula usou para se referir a Marco Maqciel ficava claro que seu alvo era maior que a vaga pernambucana do Senado. Fazia parte da estratégia vitoriosa de desmontar o DEM.

TRAJETÓRIA POLÍTICA DE MACIEL (*)

A trajetória política de Marco Maciel é singular. Desde a sua juventude esteve no espectro da direita. Nunca militou em outro partido que não aqueles que se seguiram a ARENA, partido oficial de apoio à Ditadura Militar. Sua habilidade e relações políticas o levaram a ser Presidente da Câmara dos Deputados em 1977, no Governo do General Geisel. Em abril de daquele ano, mesmo como Presidente da Câmara, concordou integralmente com o golpe que fechou o Congresso e não fez uma única manifestação sequer em defesa da instituição. Como prêmio pelos bons serviços prestados à Ditadura e sua passividade no fechamento do Congresso, o general Geisel o nomeou interventor/governador de Pernambuco, em 1978. Em 1989 apoiou Collor integralmente, apesar do PFL ter Aureliano Chaves como seu candidato a Presidente. Novamente, como prêmio foi indicado Líder do Governo Collor no Senado (e Jorge Bornhausen foi indicado Chefe da Casa Civil). No período da crise e queda de Collor,  boatos  de que Marco Maciel tinha relações com empresas de tecnologia da informação e operava através delas não foram investigados nem pela CPI e nem pela imprensa, e nada foi comprovado. Ficou com Collor até o fim. Com sua habilidade política construiu a aliança com o PSDB e tornou-se vice-presidente de FHC nos dois mandatos presidenciais, sem nunca ter manifestado maior representação política em favor de Pernambuco. Um dos maiores questionamentos que recebeu em seu próprio estado foi o de nunca ter lutado para trazer investimentos do governo federal para Pernambuco.

Em 2010 sua campanha a reeleição ao Senado foi marcada por declarações das boas ações, das virtudes, da honestidade e da ética de Marco Maciel – “um marco de Pernambuco”. É claro que os fatos narrados acima jamais fizeram parte do debate eleitoral sobre o senador. A imprensa em nenhum momento questionou sua trajetória até então. Mas o momento político não era favorável ao DEM e mesmo com toda a defesa das “boas qualidades” de Maciel os eleitores pernambucanos rejeitaram sua reeleição, impondo-lhe uma derrota eleitoral e política de proporções inimagináveis anteriormente.

DESENHA-SE UM FINAL MELANCÓLICO PARA MACIEL

Desde o final da eleição passada, a desagregação do DEM acelerou-se de forma estupenda. Dois outros grandes nomes da direita abandonaram a política partidária: Roberto Magalhães e Jorge Bornhausen. O principal prefeito do DEM, Gilberto Kassab de São Paulo, abandona o DEM e funda o PSD. Em Pernambuco a crise do DEM chega a tal ponto que seu Presidente estadual, André de Paula, no dia 17/04/11 também sai do partido e vai para o PSD, levando consigo uma parte considerável de correligionários.

Mas quem é André de Paula? André, todo mundo político do estado sabe, é cria e apadrinhado de Marco Maciel. Em toda sua carreira política teve como mentor o ex-senador. Ora, ninguém, a não ser por santa ingenuidade, pode achar que André de Paula deixou a Presidência do DEM e foi para o PSD sem a concordância de Marco Maciel. Não recebeu uma única crítica do seu padrinho.

Dez dias depois de André de Paula anunciar sua adesão ao PSD,  Marco Maciel, seu padrinho,  é nomeado Conselheiro de duas empresas públicas da Prefeitura de São Paulo, governada por Kassab, em ato publicado no Diário Oficial da Prefeitura de São Paulo do dia 27/04/11. Todos sabem que cargos de Conselheiros, em empresas públicas, muitas vezes são usados para dar algum espaço político para aqueles que ficaram sem função no Executivo ou Legislativo, mas sempre em conformidade com o grau de representatividade política e social do nomeado. Dai a primeira surresa:  Marco Maciel, com todos os cargos que ocupou na sua trajetória e dimensão política, em Conselhos de Administração de empresas de Trânsito e Turismo da cidade de São Paulo? Ora, Marco Maciel foi rebaixado? Eu penso que a justificativa para aceitar estes cargos passavam por outras questões políticas, após a adesão de André de Paula ao PSD. Certamente o ex-senador não aceitaria um rebaixamento político desses sem que mais alguma coisa estivesse em jogo. O que seria? Por enquanto  só podemos especular. Mas a proximidades das datas e dos movimentos evidenciavam muito fortemente para um novo pael político para Maciel.

 Dez dias após a nomeação foi tornada pública a entrada de Marco Maciel naqueles Conselhos de Administração, e só então, diante dos constrangimentos políticos,  justificativas e defesas foram apresentadas.
Primeiro o Prefeito Kassab fala em homenagem e relevantes serviços que Marco Maciel poderia prestarà capital de São Paulo. Depois o próprio Marco Maciel declara que sua ida para os cargos não tem nada a ver com a criação do PSD. E finalmente quem, em Pernambuco, defende Marco Maciel? Se você disse André de Paula, o presidente estadual do PSD, acertou. Ninguém do DEM assumiu a defesa de  Marco Maciel. O que se soube, pelos bastidores da política, é que os remanescentes do DEM pernambucano exigiram a renúncia de Marco Maciel dada a desmoralização política que aquela nomeação representava para a manutenção do Dem no estado.  Marco Maciel no governo do PSD seria  o enterro formal do DEM. E para surpresa de todos Marco Maciel recua do movimento que fez, implicitamente confirmando a jogada política pró PSD. Mais, Mendoncinha e o DEM fizeram o papel de cônjuge traído, o último a saber. Não bastasse isso tudo, o PSD tinha também o dedo de Eduardo Campos. Como justificar perante a parcela da sociedade a política ética do ex-senador¿

Completamente derrotado dentro do DEM, Marco Maciel vai a público, numa manobra para tentar enganar a sociedade e diminuir o constrangimento, dizer que “não aceitou o convite” de Kassab. Como assim não aceitou? E a nomeação já publicada no Diario Oficial? Aconteceu sem sua  concordância?
O estrago político estava feito e Marco Maciel, com tanta experiência e uma reputação quase inabalável, comete o maior erro político de sua carreira e expõe tanto a fragilidade de sua trajetória como a derrocada dos partidos da direita no Brasil.

O QUE ISTO REPRESENTA?

No meu entender é o início do fim da carreira política de Marco Maciel. Não estou dizendo que ele já se acabou politicamente mas, inviabilizada a sua ida para o PSD e destroçado o partido no qual foi obrigado a se manter, caminha para o ocaso, e a velocidade desta última trajetória dependerá de outros fatores e fatos políticos.  Alguém poderia dizer que isso é um exagero, afinal de contas o ex-senador tem muita força e representação política ainda. E eu pergunto onde¿ Qual é o seu partido e quem são seus liderados. A fragorosa derrota eleitoral em 2010 expôs sua fragilidade e falta de apoio real na sociedade. Existem outros exemplos inquestionáveis de queda política desta dimensão e importância política: Roberto Magalhães e Jorge Bornhausen, dois grandes articuladores e colaboradores de Marco Maciel  aposentaram-se.

Porém, não é o ocaso de mais um político entre outros. É a derrocada de um dos principais dirigentes políticos da direita nas últimas quatro décadas que participou e comandou processos políticos que marcaram a história recente do país. Não é um fato isolado, é parte integrante e impulsionador da desagregação não só do DEM, mas que como água de cheia arrastra consigo os que lhe estão próximos como o PDSB e o PPS.
Como esta sendo  possível a derrocada? Os partidos da direita pós ditadura militar e seus dirigentes sempre sobreviveram da máquina do estado, das relações com o poder econômico que a máquina do estado permite, da repressão e  falta de democracia, organização e consciência do povo.

Quando começa  este processo político de derrocada dos partidos da direita da história recente do Brasil? No final dos anos 70 com a retomada da organização social e política do povo e o aumento de sua consciência e autonomia política, processo ainda em curso.  A partir deste elemento  essencial,  a conquista de espaços políticos de democracia e representação popular e a consolidação de organismos de representação e de poder como os sindicatos, partidos e entidades do movimento popular. (Nunca, na história do Brasil durante 30 anos seguidos organizações democráticas de massas existiram e resistiram à repressão da elite e do estado.)  Culminou agora com a derrota de Serra, que ao defender  uma plataforma abertamente de direita, conservadora e anti-democrática, levou consigo a derrota de vários líderes tradicionais da direita de norte a sul do país.

No processo de retomada do movimento popular e sindical,  o PSDB foi criado como uma tentativa de frear este movimento a partir de políticos que teriam maior identidade com a democracia e portanto mais respaldo popular. Porém, a estratégia de aliança com a direita para combater o PT está se esgotando a partir do conflito desta aliança com as demandas e reivindicações populares.

Não estou afirmando que a direita esta acabada no Brasil. De forma alguma. Uma parcela  considerável da sociedade ainda é muito conservadora e apóia políticos que defendem este conservadorismo, Mas a ausência, por parte destes políticos, de um projeto social e de país que contemple a maioria desta parcela social dificulta a mobilização política do conservadorismo. É tão frágil a direita no país, em termos de projeto, que é a grande imprensa monopolizada que fala por esta direita. Se a direita conseguir se organizar em torno de um projeto político que dialogue com esta parte da sociedade será capaz de falar por si mesma, sem precisar que o PIG o faça. E o poder econômico estará pronto para sustentar este projeto com mais firmeza do que o faz agora.

A criação do PSD é uma nova tentativa, porém com roupagem velha e sem projeto, de reaglutinar a direita no país. E só ganha alguma força agora porque conta com o apoio de setores da base democrática do projeto que o PT encabeça. A participação do PCdoB na prefeitura de São Paulo e as articulações de Eduardo Campos com Kassab são fundamentais para dar alguma credibilidade social ao projeto de Kassab. Não é a toa que aqueles do DEM pernambucano que foram para o PSD não se declaram mais oposição ao governo estadual do PSB. E  o céu é  o limite para estas articulações.

QUAL DEVE SER O PAPEL DO PT?

Mantendo seu princípío estratégico de lutar por transformações políticas, econômicas e sociais, através de uma relação de organização e apoio aos movimentos sociais, o PT deve procurar ampliar sua influência política e de organização nesta base social que ainda é conservadora e é composta de milhões de brasileiros, trabalhadores, jovens, donas de casa, etc... Construir  uma hegemonia política,  democrática e de esquerda na sociedade, sabendo que precisa de aliados para tanto e para garantir a pluralidade necessária à democracia real.

Para chegarmos lá há muito ainda por fazer. Esta crise da direita, o ocaso de suas principais lideranças, abrem uma porta imensa para que possamos construir e conquistar essa hegemonia. É um trabalho árduo, cheio de contradições, onde às vezes precisamos recuar para depois avançar mais. É preciso promover democraticamente  mudanças na estrutura de poder do PT e das suas relações com a militância, particularmente a nova militância que surge por espaços nunca antes ocupado mas que mostra que tem poder social.

A discussão dessas mudanças fica  para outros artigos. É claro que muitos outros temas, que se relacionam com este, precisam ser  analisados e debatidos. Mas isso é um papel que precisa ser assumido coletivamente pelas organizações do nosso povo.

(*) trajetória de Marco Maciel

1963 – Presidente da União Metropolina dos Estudantes de Pernambuco, com apoio financeiro da direita.
1966 – Deputado Estadual pela ARENA
1970 – Deputado Federal pela ARENA
1974 – Deputado Federal pela ARENA
1977/1979- Presidente da Câmara dos Deputados
1978 – Governador biônico de Pernambuco, nomeado pelo ditador Geisel. Partido ARENA
1982 – Senador pelo PDS, partido sucessor da ARENA
1984 – Um dos principais articuladores do PFL, sucessor do PDS
1985 – Ministro da Educação no Governo Sarney
1986 – Ministro da Casa Civil no Governo Sarney
1989 – De volta ao senado articulou e declarou apoio a Fernando Collor
1990 – Lider do Governo Fernando Collor no Senado
1991 – Eleito para a Academia Pernambucana de Letras
1994 – Eleito Vice-Presidente na chapa de Fernando Henrique Cardoso
1998 – Reeleito Vice-Presidente na chapa de Fernando Henrique Cardoso
2002 – Eleito Senador pelo PFL
2003 – Eleito para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira do falecido Roberto Marinho
2010 – Perde a eleição para o Senado, pelo DEM, partido sucessor do PFL
2011 (abril)– É nomeado pelo Prefeito Kassab(ex-DEM e agora no PSD) Conselheiro de duas empresas públicas da capital paulista.
2011 (maio) Renuncia aos cargos de Conselheiro.
2011 (maio) – Após denúncia pública e polêmica entre o DEM e o PSD, Maciel renuncia aos cargos de conselheiro.

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